terça-feira, 8 de outubro de 2013

Polêmica Idéia sobre os Segredos da Ortodoxia Cristã



         Este título pode parecer um exagero porque desconheço a data, mas vou explicar por que não é: a renúncia do papa Bento XVI tem alimentado a imprensa com este fato incomum. No entanto, sempre existiu uma grande distância entre notícia e verdade. Na antiga U.R.S.S. os dois principais jornais circulantes eram o Pravda (verdade) e o Izvestia (notícia). Costumava-se dizer que onde existia pravda não existia izvestia. Onde existia izvestia não existia pravda. A União Soviética acabou, mas essa realidade mundial continua.
 
          “Parecia que Deus estava dormindo”, disse o papa Bento XVI se referindo a membros da cúria. Será que as falcatruas do Vaticano, absolutamente incompatíveis com as mensagens cristãs, são as grandes ameaças para a Igreja? Claro que não. Escândalos eclesiásticos sempre fizeram parte da história, porém dessa vez parece tratar-se de algo mais sério, pois ameaça o cristianismo como conhecemos.
 
          Vejamos o porquê: a ideia passada por um papa de “Deus dormindo na sede da própria administração terrena” tem um significado muito sério. É preciso reconsiderar a antiga desculpa de que a igreja é feita de homens e os homens falham. Falha é a interrupção do funcionamento normal e não uma viciosa prática oculta, da qual aparentemente o papa se lamentava. Claro que isso só acontece porque a cúria não acredita em Deus nem em Jesus Cristo. Do contrário não se atreveria. Você já pensou nisso?
 
“[...] a educação moral sem base religiosa desanda, esvai-se geralmente em frases de efeito, e não produz resultados práticos, exceto numa ou noutra pessoa de fina sensibilidade ou de grande força de vontade, capaz de reconhecer nas regras éticas imposições da própria natureza, que se precisa aceitar para viver bem. [...] o cerne da sua doutrina é perene e válido, pois ele se apoia nas regras da reta razão [ortodoxia], no acordo com a natureza intelectual do homem, e nas palavras de Cristo que não passarão jamais, conforme a sua divina promessa”. (NUNES, 1978, p. 104)
 
          “Faça o que eu digo, e não o que eu faço” está cada vez mais evidente a partir dos questionamentos que o cristianismo real (e não somente a Igreja Católica Apostólica Romana) vem sofrendo ultimamente por conta do seu crescente distanciamento do cristianismo ideal [o do papel]. Vale lembrar que esses questionamentos não são tão recentes assim. Ficaram mais ousados, por assim dizer. O antigo temor a Deus veio desaparecendo com as transformações da igreja ao tentar acompanhar as transformações sociais. Assim o poder eclesiástico exercido pelo medo acabou ficando para trás e não há mais como retomá-lo.
 
          A sintomática e inusitada notícia veiculada pela imprensa, em 27/01/2006, que só transcende o burlesco para quem percebe a história real do cristianismo, é evidência disso: um senhor italiano, chamado Luigi Cascioli, ex-agrônomo aposentado, que se define como "ateu militante", desafiou o padre Enrico Righi, da cidadezinha de Bagnoreggio, perto de Roma,   a provar na justiça que Cristo existiu de verdade, acusando-o de "abuso da credulidade popular" e "substituição de pessoa".
 
          A decisão de Cascioli nada teve de equivocada, uma vez que o Jesus histórico foi inventado pela ortodoxia cristã e não pelo cristianismo como um todo. O cristianismo primitivo era fracionado demais e Cristo era um título, uma simbologia para o homem ideal e não um ser físico. Além do mais, não foram os ateus que causaram os maiores estragos à crença ortodoxa. Foram teólogos cristãos do século XIX, como Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach (ex-teólogo que se tornou filósofo) e outros que não acreditavam na existência física e histórica de Jesus Cristo ou de Nazaré e na historicidade do Novo Testamento. Para Bruno Bauer, Jesus Cristo foi uma invenção do século II.
 
          A declaração do papa Francisco: “A Igreja sem Jesus Cristo seria uma ONG piedosa”, tem um significado literal diante da realidade por trás dos panos. Claro que não há na cúria do Vaticano quem desconheça a história real do cristianismo primitivo e os motivos do surgimento da vitoriosa ortodoxia cristã. O problema é que está ficando cada dia mais difícil sustentar a versão inventada para dar continuidade a ocultação dos fatos por trás dos panos. E esse é o grande e iminente perigo que não dá para escapar.
 
          O sacerdote basco José Antonio Pagola, autor de "Jesús. Aproximación histórica" assegura que "Jesus pode ser um desafio muito perigoso para a Igreja atual" e que é evidente que, hoje em dia, "há um confronto entre dois modelos de Igreja ou duas sensibilidades sobre a interpretação do Vaticano II". Pagola mantém uma visão contemporânea de Jesus Cristo, ainda que necessariamente aquém da visão mais incidida de Bruno Bauer e de outros. Ele vendeu 40 mil exemplares de seu livro em dois meses, antes que a Conferência Episcopal interferisse no assunto, e a obra fosse retirada das livrarias eclesiásticas e diocesanas pela editora católica que a publicou.
 
          A Conferência Episcopal Espanhola publicou, através de sua Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé, uma “Nota de clarificación sobre el libro de José Antonio Pagola, Jesús. Aproximación histórica, PPC (Madrid 2007, 544 pp.)”, a nota saiu no dia 18 de junho de 2008.
 
O citado Documento encontra três deficiências na obra do teólogo basco enquanto à sua metodologia: ruptura entre fé e história, desconfiança da historicidade dos Evangelhos e a existência de pressupostos equivocados à hora de entender a história de Jesus. Desde o ponto de vista doutrinal, outras deficiências: Jesus aparece como mero profeta, nega-se a consciência filial de Cristo e o sentido redentor dado por Jesus à sua morte, ofusca-se a realidade do pecado e o sentido do perdão, nega-se a intenção de Jesus de fundar a Igreja como comunidade hierárquica, não deixa claro o carácter histórico e transcendente da ressurreição de Jesus (a ressurreição teria acontecido no coração dos discípulos). Além do mais, o Documento diz que os pressupostos principais que estão por detrás dos pontos de vista supracitados são, basicamente, dois: ruptura entre a investigação histórica sobre Jesus e a fé nele, por um lado; interpretação da Bíblia à margem da Tradição viva da Igreja, por outra. A Nota termina afirmando que “tendo em conta tudo o que se disse, pode-se afirmar que o Autor parece sugerir indiretamente que algumas propostas fundamentais da doutrina católica não têm fundamento histórico em Jesus. Este modo de proceder é prejudicial, pois acaba deslegitimando o ensino da Igreja que – segundo o Autor – não tem enraizamento real em Jesus e na história” (n. 19).”
 
          Pelo teor da nota está claro que o autor se posiciona prudentemente diante da igreja da qual ainda faz parte, ao contrário dos cristãos mais ousados e distantes dessa realidade eclesiástica como o contemporâneo Tom Harpur, ex-pastor e teólogo canadense que resolveu abrir o jogo pra valer. Jesus Cristo ou de Nazaré nunca existiu. Portanto, nada tem a ver com a história.
 
          O que tem a ver com a história que a ortodoxia cristã não quer contar, são os motivos da sua invenção. Oficialmente ainda guardados na caixa preta. As fraudes documentais produzidas por ortodoxos apaixonados ao longo da história, para atestar a existência física de Jesus Cristo, estão perdendo o efeito desejado. Quanto mais os novos métodos de pesquisas avançam e documentos originais são encontrados, pior. Mais evidente fica a fraude mais difícil de ser explicada da história da humanidade. Por isso, volta e meia, ainda estão forjando “provas” que favoreçam a versão da ortodoxia cristã. Vamos ver que solução política se encontrará para isso em futuro próximo.
 
Em reação a uma interpretação demasiado óbvia e ingenuamente histórica da Sagrada Escritura, preferiu-se um outro conceito da Bíblia que equivale a uma espécie de emigração para dentro, isto é, uma aplicação da Bíblia à própria pessoa, à fé intima do homem. Depois que se difundiu por toda parte o ceticismo histórico, baseado nas conclusões do método histórico-formal, fechou-se por completo a porta de acesso ao Jesus histórico e pós-pascal. [...]. Gerhard Ebeling vê precisamente na continuidade o articulus stantis et cadentis Ecclesiae, isto é, o artigo do qual depende a Igreja ou sem o qual ela desaparece, quando diz: Se Jesus não existiu ou se a fé n’Ele fosse um equívoco dos que acreditaram no Jesus histórico, destruir-se-ia toda a base da fé cristã.”  (LÄPPLE, 1973, p. 13 -14)
 
          Discordo do professor Läpple aqui no finalzinho: eu diria “toda a base da fé cristã ortodoxa”, naturalmente. O fim da linha para ela está próximo. Alfred Läpple é intelectual cristão, padre, teólogo alemão e amigo antigo do papa emérito Bento XVI.
 
“Ele me disse: meu nome é Joseph Ratzinger, e eu tenho algumas perguntas para fazer ao senhor. Começou ali a grande amizade de uma vida inteira. Nunca nos perdemos de vista. E se um de nós tinha alguma coisa para dizer ao outro, ligava.” Encontro com o professor Alfred Läpple, preceptor do futuro sucessor de Pedro no seminário de Freising”. (Entrevista com Alfred Läpple de Gianni Valente e Pierluca Azzaro)
 
Referencias
LÄPPLE, Alfred. As origens da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1973.
NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na Antigüidade cristã. São Paulo: Pedagógica Universitária e Editora da Universidade de São Paulo, 1978.
 

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