domingo, 25 de agosto de 2013

Ensinamentos de Judeus para Cristãos: Cabala Cristã = Tem embasamento em Jesus?


Princípios Cristãos Judaicos

 
    
        A Cabala Cristã, também chamada por alguns historiadores de Cabala Renascentista ou hoje em dia como uma das áreas de estudo da Teologia Relacional, consiste na confluência entre duas áreas de estudos esotéricos, a primeira é a mística judaica, representada pela Cabala hebraica (Sepher Yetsirah e o Sepher ha-Zohar), e a segunda, a Tradição Hermética baseada nos princípios de Hermes Trismegisto (três vezes grande).


    Esse movimento filosófico surgiu a partir do momento em que alguns eruditos cristãos buscavam uma conciliação entre o cristianismo e determinados aspectos da sabedoria oculta judaica, a partir das traduções de textos neoplatônicos que chegaram à Europa, oriundos de Constantinopla. Esses textos foram traduzidos do grego e hebraico, e a partir dessas traduções, eclodiu um crescente desejo de reinterpretar e rever certos aspectos da doutrina cristã através de uma visão mais profunda (mística) do que tradicionalmente era feito. A base principal de elementos era a reinterpretação do cristianismo em geral e do Novo Testamento a partir da visão cabalística.

Os cabalistas cristãos eram mais interessados na observância, estudo ou compreensão sistemática da Cabala do que no uso semântico com base na língua hebraica, ou seja, eles interessavam-se mais pelos processos gerais da Cabala do que pela elaboração de uma verdadeira Ciência do Ser, para ser aplicada na vida. Os assuntos de interesse dos Cabalistas cristãos eram voltados para conceitos metafísicos como os nomes de Deus (72 nomes), hierarquia dos seres angelicais, a causa da queda do homem, etc.

Na visão ocidental, a lógica aristotélica apresentava-se com a articulação interna do logos, destinada a facilitar a descoberta da verdadeira estrutura da realidade. Enquanto “filosofia primeira” segundo os escolásticos, a metafísica opõe-se à coisa em si, ao número do objeto de pensamento, enquanto a visão cabalística remonta à origem de Deus e das coisas, ou seja, é a ciência do Ser em particular. O logos segundo os cabalistas, deixa de ser o “dizer” carregado de significados, torna-se o davar (ordem, assunto, ato de fazer, etc.), isto é, a Palavra como era tomada por Philon de Alexandria quando aceitava ir além do “lugar das idéias” ou da “lei moral”. Portanto o davar constitui o verdadeiro intermediário entre a absoluta transcendência de Deus e a finitude do homem.

Embora os Cabalistas cristãos buscassem nas fontes hebraicas respaldo para suas novas interpretações das Sagradas Escrituras, o clima mental destes era diferente dos rabinos Cabalistas da Espanha ou Galiléia, apesar de tratar-se sempre da interpretação esotérica a partir de Israel, que se efetua necessariamente a partir do hebraico e aramaico.

Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), foi um dos primeiros cristãos a mergulhar nos estudos Cabalísticos no período da Renascença, foi discípulo de Marsílio Ficino na Academia de Florença, possuía uma visão sincrética do mundo, combinava os pensamentos platônicos e neoplatônicos com o aristotelismo, o hermetismo e a Cabala judaica. Ele redigiu seus tratados sob a proteção de Elie Del Medigo e de Johannan Alemanno, devido às fortes ameaças e pressões da igreja dominante da época. Pico chegou a estabelecer uma doutrina sobre a possibilidade de se descobrir o Deus único em todas as religiões e na filosofia, através da harmonização entre a Cabala e o neoplatonismo. Pico morreu jovem aos 31 anos, porém, deixou um legado de nada menos do que novecentos tratados, as Conclusiones Philosophicae Cabbalisticae ET Theologicae.

Johann Reuchlin (1456-1522) deu prosseguimento no processo de cristianização da Cabala, foi aluno de língua hebraica do rabino Jechiel Loans, de Linz, e do sábio judeu italiano Abdi ben Jacob Spuon. Reuchlin publica De Verbo mirifico em 1494 de De Arte cabalística em 1517, tomando a defesa dos livros hebraicos ameaçados de auto-de-fé em Colônia e em Frankfurt. Neste meio tempo, o restaurador dos estudos hebraicos na Alemanha deu a público os seus Rudimenta linguae hebraicoe (1506). Os cabalistas cristãos colecionaram manuscritos hebraicos e traduziram para o latim fragmentos do Sepher Ha-Zohar e o Sepher Yetsirah. Guillaume Postel (1505-1581) procurava nas letras sagradas a “chave das coisas ocultas” – Absconditorum clavis – enquanto o inglês Robert Fludd (1574-1637) estabelece uma relação entre as dez esferas de Aristóteles e as dez Sephirots da Árvore da Vida cabalística.

Um dos grandes nomes desse período foi sem dúvida, o místico, sábio e humilde sapateiro de Goerlitz, Jacob Boehme (1575-1624). Sua obra testemunha um paralelismo entre o cristianismo místico e os ensinamentos fundamentais da Cabala judaica. Boehme aprofundou-se sobre temas polêmicos dentro da visão judaico-cristã como a natureza do pecado, do mal e da redenção. Na sua visão fortemente influenciada pela Cabala, era necessário que a humanidade se voltasse para Deus a fim de que a criação voltasse ao seu estado original de harmonia e inocência, permitindo ao homem atingir uma nova auto-consciência pela interação com a criação, que se tornaria, ao mesmo tempo, parte Dele e distinta Dele. Desde modo, o livre arbítrio seria o mais importante dom concedido por Deus à humanidade, permitindo-nos buscar a graça divina na condição de uma livre escolha, enquanto permitiria aos seres humanos manter as suas individualidades.

Boehme, numa visão cabalística, compreendia a encarnação de Cristo, não como um sacrifício em função de perdoar os pecados da humanidade, mas sim como uma oferta divina de amor para a mesma, mostrando através desse ato a vontade de Deus, suportando igualmente o sofrimento terreno, como um aspecto necessário da criação. Ele também acreditava que a encarnação de Cristo expressava a mensagem de que um novo estado de harmonia era possível.

Como consequência de seus pensamentos e obras, Boehme passou seu último ano de vida exilado em Dresden, retornando à sua cidade Goerlitz apenas para um adeus final à vida aos 49 anos de idade. Mesmo assim sendo rejeitado e incompreendido pelas autoridades eclesiásticas e pensadores de seu tempo, nos dias atuais, as obras de Boehme são estudadas e admiradas por diversas comunidades de espiritualistas, filósofos, teosofistas e místicos em geral. Entre suas obras importantes, podemos citar algumas: A aurora nascente, A sabedoria divina, A revelação do grande mistério, os três princípios da essência divina, Quarenta questões sobre a alma, A encarnação de Jesus Cristo, A chave, As confissões e a Vida supra sensível.

Em síntese, a Cabala cristã apresenta-se, sobretudo no início, como uma tentativa de elaboração de uma doutrina mais metafísica, que vai além do aristotelismo da escolástica. Suas numerosas ramificações, que envolvem não apenas Spinoza mas também Leibniz, Schelling e posteriormente um grande número de pensadores dos movimentos Humanista e Iluminista. Curioso o fato de que esse movimento cabalístico cristão ganhou vulto justamente no período que ocorre a Reforma Protestante na Alemanha, que é essencialmente o berço da mística cristã européia.

A sabedoria cabalística detém a chave para o problema religioso da atualidade, porque só ela favorece a possibilidade de aproximação e diálogo tão sonhada pelos homens de paz entre as três religiões tradicionais monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Foi graças à Cabala que o judaísmo se aproximou do cristianismo e assim também com o islamismo através da distinção clara entre os conceitos de monoteísmo universalista e monoteísmo mosaico.
 
 

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