sábado, 7 de setembro de 2013

"O Segredo Gospel" x Mistério da Cruz e o Segredo da Vida


Lei da Atração e Teoria da Prosperidade = O "Segredo Gospel" x Mistério da Crus e o Segredo da Vida

          A chamada “Teologia da Prosperidade”, propagada hoje no Brasil por alguns segmentos evangélicos, tem enfatizado que seguir a Jesus é automaticamente candidatar-se a a uma vida de sucesso financeiro, de projeção social e quase imunidade a qualquer tipo de sofrimento. Na verdade, até mais do que isto, segundo tal proposta, todo cristão tem o direito de reivindicar e até exigir de Deus a satisfação de seus desejos pessoais. Esta mensagem pode ser resumida nas seguintes palavras:

          A “teologia da prosperidade” está trazendo o celeste porvir para o terrestre presente. Para comermos a melhor comida, para vestirmos as melhores roupas, para dirigirmos os melhores carros, para termos o melhor de todas as coisas, para adquirirmos muitas riquezas, para não adoecermos nunca, para não sofrermos qualquer acidente, para morrermos entre 70 e 80 anos, para experimentarmos uma morte suave. Basta crermos no coração e decretarmos em voz alta a posse de tudo isso. Basta usar o nome de Jesus com a mesma liberdade com que usamos nosso talão de cheques".
 
          Tais aspectos suscitam uma inevitável questão: que lugar existe para a mensagem da cruz neste modelo de cristianismo? Ou ainda, diante dos relatos que serão apresentados, a seguir, se poderia perguntar: será que estes mártires do cristianismo primitivo, caso vivessem em nossos dias, seriam aceitos como membros destas igrejas que abraçaram o ensinamento deste modelo de teologia? Deixemos, então, que os próprios relatos da história nos fale.
 
          No primeiro século de sua existência, a igreja neotestamentária se encontrava instalada nas dimensões do império romano. Devido a profissão de fé que os cristãos faziam em Jesus Cristo, e às reivindicações do evangelho libertador por eles pregado àquele mundo fundado num sistema de de abuso de poder e opressão, os conflitos com o Império foram inevitáveis.
 
          O primeiro imperador a iniciar uma ostensiva perseguição ao cristianismo foi Nero (54-68). Após o incêndio na cidade de Roma, no ano 64, a mando do próprio imperador, quando dez dos quatorze bairros foram destruídos, os cristãos passaram a ser acusados como culpados por tal episódio, sofrendo por isso atroz perseguição. Tácito, historiador antigo, descreve as atitudes tomadas:
 
          Além de matá-los (aos cristãos) fê-los servir de diversão para o público. Vestiu-os em peles de animais para que os cachorros os matassem a dentadas. Outros foram crucificados. E a outros acendeu-lhes fogo ao cair da noite para que a iluminassem. Nero fez que se abrissem seus jardins para esta exibição, e no circo ele mesmo ofereceu um espetáculo pois se misturava com as multidões disfarçado de condutor de carruagem.
 
          Dados históricos e informações preservadas pela tradição antiga referentes ao que ocorrera com os apóstolos e outros importantes líderes do cristianismo em seus primórdios, também nos ajudam a entender que o compromisso com o caminho da cruz foi levado até as últimas consequências. Muitos foram submetidos ao martírio por causa do evangelho de Cristo. Vejamos primeiramente alguns exemplos envolvendo aqueles que fizeram parte dos doze discípulos chamados por Jesus ( Marcos 3:13-19).
 
          André: após a morte e ressurreição de Jesus, foi pregar o evangelho na região do Mar Negro (hoje parte da Rússia); depois, segundo a tradição, pregou na Grécia, em Acaia, onde foi martirizado numa cruz em forma de “X”. Daí, este instrumento de tortura ter ficado conhecido como “cruz de Santo André”.
 
           Bartolomeu: pregou inicialmente na Arábia, depois Etiópia, e por fim, ao lado de Tomé, atuou como missionário na Índia, onde foi martirizado.

          Filipe: atribui-se a este apóstolo a fundação da igreja de Bizâncio, cidade mais tarde conhecida como Constantinopla. Posteriormente, pregou o evangelho na Ásia Menor, na região de Hierápolis, onde convertera-se a mulher de um cônsul romano pela sua pregação. O cônsul, então furioso por este episódio, mandou prender a Filipe e matá-lo de forma cruel.

          Para o lugar de Judas Iscariotes, que suicidou-se, a igreja primitiva escolheu Matias como seu substituto (Atos 1:21-26). Segundo a tradição, Matias se tornou missionário na Síria, onde acabou sendo queimado numa fogueira por causa do evangelho.

          Judas Tadeu: segundo a tradição, pregou na Pérsia, onde também foi martirizado.

          Mateus: desenvolveu grande parte de seu ministério pastoreando a igreja de Antioquia, onde também escreveu o seu evangelho. Dirigiu-se posteriormente para a Etiópia, onde veio a ser martirizado por causa da pregação.

          Pedro: depois de exercer importante liderança na igreja de Jerusalém, este apóstolo transferiu-se para a cidade de Roma, capital do Império. No ano 67, durante perseguição imposta por Nero, Pedro foi preso e condenado a morrer crucificado. Relatos do segundo século afirmam que o apóstolo, antes de sua execução, disse que não era digno de morrer como morrera Jesus, o seu Senhor, e pediu para que fosse crucificado de cabeça para baixo, e assim ocorreu.
 
          Paulo: considerado um apóstolo “nascido fora de tempo” (I Cor. 15:8), tornara-se o grande líder da igreja entre os gentios e propagador da “mensagem da cruz” (I Cor. 1:18-23). Uma carta de Clemente de Roma, no segundo século, testifica o que ocorrera com este apóstolo:

          Paulo esteve preso 7 vezes; foi chicoteado, apedrejado; pregou tanto no Oriente quanto no Ocidente, deixando atrás de si a gloriosa fama de sua fé; e assim, tendo ensinado justiça ao mundo inteiro, e tendo para esse fim viajado até os mais longínquos confins do Ocidente, sofreu por fim o martírio por ordens dos governadores, e partiu deste mundo para ir ocupar o seu santo lugar.

          No ano 67, quando da perseguição movida por Nero, Paulo foi preso e levado a Roma, onde recebera o martírio. Pelo fato de possuir cidadania romana, este apóstolo não poderia ser crucificado (algo por demais humilhante para o cidadão romano) e por isso deram-lhe como sentença a decapitação (morte instantânea). A tradição conservou de forma reverente o lugar da execução deste apóstolo, juntamente com Pedro: “Desde a mais alta antiguidade, a igreja romana celebrou juntos os martírios de Pedro e de Paulo no dia 29 de junho”.
 
          Simão Zelote: desenvolveu seu ministério de evangelização na Pérsia, onde o culto ao deus Mithras (deus Sol) estava extremamente desenvolvido. Devido a conflitos com seguidores de Mithras, acabou sendo morto por se negar a oferecer sacrifício a esta divindade14.

          Tiago (Filho de Alfeu): pregou o evangelho na Síria. Segundo o historiador antigo Flávio Josefo15, foi linchado e apedrejado até a morte16.

          Tiago (filho de Zebedeu): segundo tradições antigas, citadas por Justo Gonzalez, este apóstolo desenvolveu um trabalho missionário na Espanha, pregando na região da Galícia e Zaragoza. “Seu êxito não foi notável, pois os naturais desses lugares se negaram a aceitar o evangelho”. Ao regressar para Jerusalém, percorreu o caminho que deu origem ao lugar hoje conhecido como “Caminho de San Tiago de Compostela”, na Espanha. Em Jerusalém, veio a ser preso, sendo em seguida, decapitado por ordem de Herodes Agripa, no ano 44 (Atos 12:1,2).

          Tomé: segundo a tradição, desenvolveu sua atividade missionária inicialmente na Índia. Dali, dirigiu-se para o Egito, onde realizou importante trabalho entre os habitantes de língua copta, ministério este que deu origem à comunidade até hoje lá existente. A Igreja Cristã Copta, como é conhecida, está separada do catolicismo romano desde o IV século, tendo patriarcas em sua liderança.

          João: este é, reconhecidamente pela tradição e pelos depoimentos do cristianismo antigo, o último apóstolo a morrer. Morreu na velhice, por volta do ano 100, na cidade de Éfeso, onde morava com sua família. Este apóstolo desenvolveu o seu ministério na Ásia Menor onde foi preso nos anos 90, na época da intensa perseguição imposta pelo imperador Domiciano ao Cristianismo, quando acabou deportado à ilha de Patmos, no Mar Egeu, vindo a receber ali a revelação do Apocalipse, por volta do ano 96. Sendo solto posteriormente, permaneceu em Éfeso ensinando até ao final da sua vida.

           Além dos apóstolos, outros importantes líderes do cristianismo primitivo também deram a sua vida pela causa do evangelho. É o caso, por exemplo, de Tiago “o irmão do Senhor”, que exerceu importante liderança na igreja de Jerusalém. O historiador Flávio Josefo, que descreveu o sítio desta cidade pelo exército do general Tito, no ano 70, atribui a destruição de Jerusalém a um “juízo de Deus sobre os judeus pelo fato de terem assassinado a Tiago, o Justo.” Também o historiador da igreja, Eusébio, cita um escritor do segundo século, chamado Hegesipo, que descreve a morte de Tiago. Afirma este autor, que tinha se levantado um conflito entre os judeus convertidos e os descrentes a respeito de Jesus ser ou não o Messias, e pediram a Tiago que resolvesse a questão. “Os escribas e fariseus” – diz Hegesipo – “Colocaram Tiago de um lado do templo e exclamaram, dirigindo-se a ele: visto que o povo é levado em erro a seguir a Jesus que foi crucificado, declara-nos qual é a porta pela qual se chega a Jesus, o crucificado?”. Ao que ele respondeu em alta voz: “O Filho do Homem está agora assentado nos céus, à mão direita do grande poder e está para vir nas nuvens do céu”. E como muitos se gloriaram no testemunho de Tiago, estes mesmos sacerdotes e fariseus tomaram a decisão de levá-lo à parte alta do templo e de lá o lançaram abaixo, “passando em seguida a apedrejá-lo, visto não ter morrido logo que caiu no chão, enquanto, ajoelhando-se pedia o perdão de Deus aos seus agressores”. Deste modo ele sofreu o martírio.

          Também Timóteo, discípulo de Paulo, segundo testemunho de Nicéfero, no segundo século, “foi martirizado durante o reinado de Domiciano, no ano 96 a.D., em Éfeso, cidade onde morava quando o apóstolo lhe escreveu as duas cartas”.

          Até ao terceiro século da era cristã a cruz realmente pautou a atuação da igreja. E é prova evidente disto o fato de tal período ter ficado conhecido como a “era dos mártires”. O historiador Justo Gonzalez descreve com precisão ainda outros fatos deste período, como por exemplo, o testemunho de fé demonstrado por Inácio de Antioquia. Discípulo do apóstolo João, viveu no período de 60 a 117 d.C. Tornou-se célebre pela fidelidade a Cristo em meio às perseguições que sofrera e às cadeias que enfrentou devido à fé que professava. Sendo levado a Roma, em algumas paradas obrigatórias, não se esquecia de escrever às igrejas que o recebiam ou lhe enviavam saudações. Pelo testemunho vivo de Jesus Cristo, Inácio está disposto a enfrentar a morte. E, a caminho do martírio, proferiu as seguintes palavras:

          "Não quero apenas ser chamado de cristão, quero também me comportar como tal. Meu amor está crucificado. Não me agrada mais a comida corruptível... mas quero o plano de Deus que é a carne de Jesus Cristo... e seu sangue quero beber, que é bebida imperecível. Porque quando eu sofrer, serei livre em Jesus Cristo, e com ele ressuscitarei em liberdade. Sou trigo de Deus, e os dentes das feras hão de me moer, para que possa ser oferecido como pão limpo de Cristo”.

          Não é diferente o exemplo de fé de Policarpo de Esmirna, o qual, diante da insistência das autoridades para que jurasse pelo imperador e maldissesse a Cristo, recebendo em troca disto a liberdade, respondeu: “vivi oitenta e seis anos servindo-lhe, e nenhum mal me fez, como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou?" E estando atado já em meio à fogueira, Policarpo elevou os olhos ao céu e orou em voz alta: Senhor Deus Soberano... dou-te graças, porque me consideraste digno deste momento, para que, junto a teus mártires, eu possa ser parte no cálice de Cristo. Por isso te bendigo e a te glorifico. Amém.28

           As experiências de Inácio e Policarpo retratam bem a disposição dos cristãos de tal período em dar testemunho de sua fé em obediência a Jesus Cristo, até às últimas conseqüências. Para a igreja deste período, a ressurreição foi, sem dúvida, o impulso maior à perseverança e à fidelidade ao caminho da Cruz. Ao falar sobre martírios de cristãos, o teólogo Jürgen Moltmann afirma que:

          É Cristo que sofre através dos seus discípulos mártires, pois na Paixão apostólica pelo evangelho e pela nova criação está presente o próprio Cristo. Por isso os sofrimentos apostólicos, como perseguição, prisão, pobreza e fome, são também sofrimentos de Cristo e, como tais, dores de parto da nova criação. Paulo diz isto em 2 Cor.4:10 levando sempre no corpo o morrer de Jesus para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo. Nestes sofrimentos do caminho da cruz, o mundo presente perece e nasce o novo mundo de Deus.

          Em nossos dias, a “palavra da cruz” parece continuar sendo “loucura” (1Cor.1:18) para alguns segmentos cristãos. Mas certamente a cruz, por mais paradoxal que possa parecer, continuará carregando em seu significado o mistério e o segredo da vida. “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-me. Porque qualquer que quiser salvar a sua vida perdê-la-á, mas qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a achará.” (Mc. 8:34,35)
 
 
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